"A implantação de um transporte público de verdade é um processo longo, e talvez seu primeiro passo seja vermos o transporte como um direito essencial. Um direito que dá acesso a outros direitos, como a educação e a saúde."
artigo escrito em 05/12/2006
Na última semana, a cidade de São Paulo viu diversos protestos de grupos estudantis contra os aumentos de tarifa do transporte público. Esses protestos estão na seqüência de protestos semelhantes ocorridos em Salvador, Florianópolise e Vitória que conseguiram reverter propostas de aumento por meio da pressão popular.
A prefeitura de São Paulo está propondo um aumento da tarifa dos ônibus de 15% contra uma inflação de 6,9% (IPCA). Com esse aumento, muito superior à inflação, o governo municipal quer diminuir os subsídios ao sistema que teriam crescido devido às gratuidades e meias-passagens, ao bilhete único e a custos operacionais crescentes. Os subsídios de que reclama o prefeito Kassab estão abaixo dos 10% do valor da tarifa. Na Europa, o subsídio médio aos ônibus urbanos é de 36,9%, sendo que os subsídios chegam a 75% na cidade francesa de Bordeaux, 69,4% em Antuérpia, na Bélgica e 69,9% em Viena, na Áustria. Se os governos europeus oferecem esses subsídios para beneficiar os seus trabalhadores, é de se estranhar que no Brasil os governos reclamem tanto de assumir um ônus percentualmente menor para uma população muito mais carente. Segundo levantamento do IPEA de 2003, 35% dos brasileiros que vivem nas grandes cidades não conseguem utilizar o transporte público de forma regular por falta de recursos. Uma pesquisa recente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos constatou que em 2005 14% dos brasileiros deixaram de utilizar ou reduziram o uso dos ônibus urbanos e 8% nunca os tinham utilizado.
No horizonte dos protestos e na pauta do principal movimento social por trás dos protestos contra o aumento das tarifas, o Movimento Passe Livre, está a reivindicação de um "transporte público de verdade", gratuito para todxs. A proposta já esteve na agenda política brasileira, tendo sido bastante discutida na gestão Erundina. Ela consiste em desmercantilizar o transporte, que deixaria de ser um serviço pago e se transformaria num direito universal, como já acontece com os hospitais e escolas públicas. A reivindicação por "passe livre"coincide com a "tarifa zero" proposta pelo então secretário municipal de transportes, Lúcio Gregori, em 1991.
O projeto "Tarifa Zero" previa que a prefeitura separasse o custo dos ônibus do preço da tarifa. Esta separação permitiria uma socialização dos custos entre toda a população, através de impostos progressivos, sem onerar o usuário do sistema. Quem tem mais dinheiro pagaria mais, quem tem menos pagaria menos, quem não tem não pagaria - e todos, sem exceção, teriam acesso universal a esse direito. Assim, além de propor um transporte sem exclusão das pessoas que não podem pagar, o Tarifa Zero e o Passe Livre significariam uma redistribuição do financiamento do sistema público de transporte por meio de impostos progressivos que indiretamente distribuiriam a renda.
Enquanto não conquista esse programa máximo, que beneficiaria toda a população, o Movimento Passe Livre vem lutando contra os aumentos das tarifas nas cidades e pela municipalização do transporte, necessários para que a planilha de custos, itinerários e preços não seja mais definida dentro de gabinetes empresariais. As mobilizações já conseguiram vitórias significativas. Os estudantes reverteram o aumento da tarifa dos ônibus em Vitória no ano passado e em Florianópolis por duas vezes, em 2004 e 2005, nas chamadas Revoltas da Catraca. Em Salvador, na Revolta do Buzu, em 2003, a tarifa não foi reduzida, mas foi congelada por um ano e os subsídios aos estudantes foram ampliados.
A implantação de um transporte público de verdade, sem exclusão social, é um processo longo, e talvez seu primeiro passo seja vermos o transporte como um direito essencial. Um direito que dá acesso a outros direitos, como a educação e a saúde. Só existirá educação e saúde públicas de verdade se o transporte for público de verdade - se o acesso a esses serviços públicos não for limitado para aqueles que não têm como pagar a tarifa.
Colunista: Pablo Ortellado e Graziela Kunsch
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"Por uma vida sem catraca$!"
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