quinta-feira, agosto 13, 2009

População vetada

O que está acontecendo nesse momento no Distrito Federal é o retrato exato do que é um transporte coletivo tratado como mercadoria e da discriminação e exclusão com quem não mora no Plano Piloto.
O governador Urtiga em sua tentativa desesperada de melhorar sua imagem com a população resolveu utilizar o passe livre, junto com seu vice para campanha eleitoral, já que 2010 vêm aí, mas campanhas precisam de financiamento de empresári@s e a máfia dos transportes continua com sua troca de favores.
Como o passe livre será custeado pelo governo, @s empresári@s não terão mais este “gasto”, portanto poderiam abaixar o preço das passagens, mas o que se viu foram aumentos de proporções astronômicas em tempo recorde. Primeiro o metrô e o micro ônibus com 50% de aumento de uma só vez e agora Águas lindas e Planaltina de Goiás estão praticamente inacessíveis com passagens que chegam a R$ 4,25. (Essa emenda de redução de tarifa sequer foi citada na câmara).
@s portador@s de necessidades especiais deveriam andar gratuitamente nos ônibus, sem precisar passar na catraca, el@s têm esse direito, mas o Urtiga fez questão de fazer com que el@s também se tornassem fonte de lucro, aproveitando uma brecha da lei. Agora o governo vai pagar a@s empresári@s essa conta também.
Foi impressionante observar que o governador não fez a menor questão de esconder sua perseguição política em relação ao MPL. De todas as entidades mencionadas apenas nós fomos vetad@s da comissão dos transportes coletivos do DF, o único movimento social feito pela comunidade. O governo sempre teve essa política de não ouvir os interesses da população antes de tomar suas decisões, o que vai totalmente contra o que seria a gestão de um transporte público ideal, mas não acreditamos em um espaço dividido com eles, a gestão de transportes que queremos que é feita pela população e para a população não se encaixa nesse teatro de democracia que eles fazem de vez em quando em audiências e comissões para depois não levar nada em conta, mesmo que se não fossemos vetados provavelmente não participaríamos desta comissão, a não ser com um cunho fiscalizatório. Nossa preocupação é com a perseguição política tão veemente e fascista com movimentos sociais, não sabemos o que poderá vir pela frente.
Registramos aqui, nossa denúncia!
O transporte público é um direito básico garantido pela constituição, assim como o direito de ir e vir. O transporte coletivo deve ser pago através dos impostos, como todo direito. O governo não só tem dinheiro para bancar bons salários, cesta básica, ticket alimentação e diminuir as horas de trabalho, inclusive gerando mais empregos, como o tem também para manter toda uma frota de ônibus confortáveis, menos poluentes, que passam a qualquer hora do dia para qualquer lugar e gratuito. Isso não será possível enquanto o direito de ir vir for comercializado, enquanto houver interesses econômicos por trás.
Distância, não se mede através de quilômetros e sim através de realidade social. O plano piloto depende da força de trabalho do entorno para funcionar e @s trabalhador@s dos empregos oferecidos. Dentro dessa realidade a “distancia existente” entre o entorno, Planaltina e Águas lindas do goiás por exemplo, é uma distancia virtual, que agora passa a ser real com a exclusão causada pelo aumento das tarifas, fazendo com que centenas de trabalhador@s percam seus empregos porque seus(suas) patrõ@s não podem pagar o preço altíssimo das passagens e fiquem isolados sem perspectiva de futuro.
Argumentos como o de que “estava no contrato” o aumento de tarifas e o transporte sendo usado contra a população é inaceitável. Queremos agora o fim das concessões para as empresas, queremos um transporte gerido e financiado totalmente pelo estado visando o bem estar da população. Queremos a população do centro e do entorno tendo o direito à cidade, não só para trabalhar, mas para usufruir de seu lazer, trabalhador@s sendo tratad@s com dignidade e tarifas gratuitas não só para esse ou aquele grupo de pessoas, mas para tod@s! pago através dos impostos.
Todo nosso apoio às revoltas do entorno e d@s trabalhador@s, estamos com vocês!
transporte é um direito, Tarifa Zero já!

segunda-feira, julho 13, 2009

5 anos da revolta da Catraca: Construir a Memória da Resistência em Florianópolis"- veja os registros

Veja as discussões que ocorreram no encontro "5 anos da Revolta da Catraca: Construir a Memória da Resistência em Florianópolis", realizado entre os dias 26 de Junho e 03 de Julho.

26 de Junho, "O que é, e qual é a realidade da mobilidade urbana?" • As cidades contemporâneas: as reformas urbanas do século XX e segregação sócio-espacial em Florianópolis (Vinícius Possebon, historiador) • A cor da cidade: mobilidade urbana e segregação espacial em uma cidade de espaços racialmente marcados (Paíque, antropólogo e militante do Movimento Passe Livre – DF). • Privatização do transporte: O regime de concessões e a consolidação da sociedade do automóvel (Marcelo Pomar, historiador e militante do MPL Floripa)
27 de Junho, "O que propomos em relação à mobilidade urbana? O Direito à cidade"• Experiência da Cidade de São Paulo (Lúcio Gregori, ex-secretário Municipal de Transportes em São Paulo, autor do Projeto Tarifa Zero e da Municipalização dos Transportes na capital paulista) • Lutas sociais pelo transporte (Victor Calejon “Khaled”, militante do MPL Floripa) • A posição dos ciclousuários (André Geraldo Soares, Viaciclo)
27 de Junho, "Transporte Coletivo Urbano em Florianópolis: Trajetória histórica e momento político"
• Werner Krauss (Centro Tecnológico da UFSC) • Ricardo Freitas (Sintraturb)
29 de Junho, "Construindo a Memória da Resistência: Visões sobre a Revolta - Reflexões a partir dos Olhares dos Participantes" • Marcelo Pomar (historiador e militante do MPL Floripa) • Carolina Cruz, “Cabelo”, Thiago Umberto “Garganta”, Mayara Pires (estudantes secundaristas na época da revolta) • Denílson Machado (ex-diretor do SEEB e integrante do Fórum em Defesa do Transporte Coletivo na Grande Florianópolis) • Daniel Guimarães (jornalista, co-fundador do Centro de Mídia Independente em Florianópolis e militante do MPL Floripa) • Rafael Knabben (cientista social)
30 de Junho, "Análise de Conjuntura da Florianópolis Atual" • Lino Bragança Peres (Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC)• Elson Manoel Pereira (Professor do Departamento de Geografia da UFSC)
01 de Julho, "Revoltas Antes da “Revolta” – Breve História das Contestações Políticas em Florianópolis" • Da Anistia à ditadura militar no estado de Santa Catarina (Prudente Mello, advogado, presidente da Comissão de Direitos Humanos durante as revoltas) • Política em Florianópolis da Novembrada até hoje (Reinaldo Lohn, professor do departamento de História da Udesc) • Lutas urbanas na planície do Campeche (Tereza Cristina Barbosa, bióloga, membro do Movimento Campeche Qualidade de Vida)
2 de Julho, "Movimentos Políticos Juvenis Ontem e Hoje" • Movimentos políticos juvenis: uma abordagem panorâmica (Janice Tirelli, professora do departamento de Sociologia Política da UFSC e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Juventudes Contemporâneas)• Revoltas juvenis na França: de 68 a 2005 (Luís Antônio Groppo, sociólogo, professor do programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo e pesquisador do CNPq) • Herbert Marcuse e a grande recusa hoje (Isabel Loureiro, professora colaboradora no programa de Pós-graduação em Política da UNICAMP)
3 de Julho, "Influência das Revoltas nas Lutas pelo Transporte Brasil Afora". Representantes do MPL-SP, MPL-DF e MPL Joinville

Adquira o Jornal Passe (Livre, sem limites) -01

O Movimento Passe Livre-DF está distribuindo a versão impressa do nosso Jornal Passe (Livre, sem limtes) -01. Se ele ainda não chegou até você ou se você tem interesse de pegar mais para distribuir na sua escola, trabalho, comunidade... é só escrever pra gente que ajeitamos a entrega. Mande um email para: mpldf@riseup.net , para combinarmos tudo.

A cidade e os sonhos: Por uma vida sem catracas

(Texto publicado no Jornal Passe, livre, sem limites -01)
Maria Paiva Lins

Quando a gente pensa em uma cidade, a imagem é clara: luzes, barulhos, prédios altos, movimento incessante de carros, máquinas e, às vezes,pessoas. Dá pra imaginar uma cidade, com toda carga histórica que esse termo carrega, que seja diferente disso?

Muitas vezes, minha experiência cotidiana me diz que não. Andar na cidade parece um desafio constante a tantas idéias grandes, coisas imensas, bem maiores do que eu. Andar e viver na cidade é um eterno jogo de estratégias, de melhores caminhos, pelo simples fato de eu ser mulher em uma sociedade machista. Uma grande partida de batalha naval, por eu ser pedestre e ciclista. Ou uma corrida incessante de fórmula 1, uma fórmula 1 engarrafada, se estou motorista. Uma sucessão de portas e janelas fechadas, se eu fosse negra (e, portanto, uma sucessão de portas e janelas abertas por eu ser branca). Andar na cidade nem é possível se eu não tiver dinheiro para a passagem.

Tudo isso transferido ao cenário melancólico de Brasília, e as coisas se tornam mais desesperadoras. Grandes espaços vazios, prédios bonitos, concreto branco por todos os lados, monumentos, a cidade-maquete resultado de um projeto modernista de exclusão, a cidade-maquete do apartheid social,. A cidade-maquete da centralização: todos os serviços “de qualidade”, os lazeres, os empregos, as quadras de futebol, as árvores, os parquinhos, estão no plano. O campo de concentração às avessas, como dizemos dentro do Movimento, já que todo mundo é obrigado a permanecer dentro das cidades- “satélites”, ao redor do “plano piloto'. As cidades satélites, tão parte do planejamento como a Brasília, capital da esperança.

Para a maioria das pessoas, entre percorrer esses espaços e apenas ouvir falar deles, existe uma distância significativa: a tarifa do ônibus, do metrô, do microônibus. Uma distância absurda.Uma distância, muitas vezes, insuperável. Isso quer dizer que, mesmo que Brasília fosse um espaço mais bacana, muita gente não poderia desfrutar dela, como de fato não o pode hoje.

Aí a gente vê que, pra cidade funcionar, a gente depende de transporte pra tudo. Pra ir pra escola, pro hospital, pro cinema, pro show da esplanada, pro trabalho. Aí a gente vê que, se a gente paga na hora de passar pela catraca, então a gente paga pra ir pra escola, mesmo que ela seja pública. Que a gente paga pra ir pro hospital, mesmo que ele seja público...

O argumento para a aprovação do passe livre estudantil, passa a ser, então, bastante óbvio: estudante não ganha dinheiro e precisa estudar. Se a gente precisa pagar o transporte, a escola deixa de ser pública e então esse direito básico deixa de ser respeitado. Educação e transporte andam aí juntos, inseparáveis.

Era nesse argumento que eu pensava quando entrei, no final de 2004, naquilo que na época se chamava Comitê Autônomo de luta Pelo Passe Livre e que hoje se chama Movimento Passe Livre -DF. Nessa época, por estranho que pareça hoje, essa proposta parecia uma loucura: “nunca vai dar certo”, “eu também quero tudo de graça, mas temos que trabalhar ” (essa é do Presidente Lula), “passe livre tem que ser só pra quem não tem dinheiro”, etc e tal. Mesmo que fosse já uma bandeira histórica do movimento estudantil, muita gente parecia não levá-la a sério e, principalmente, muita gente parecia achar impossível que ela se realizasse. Eu, particularmente, não a achava impossível... mas parecia muito, muito distante.

Agora, frente a frente como estamos com a aprovação do Passe Livre, as dúvidas, e as reflexões são outras.

Tudo isso me diz, antes de mais nada que, sim, dá pra imaginar uma cidade diferente. Dá pra imaginar uma cidade que não seja permeada por auto-pistas, da pra imaginar uma cidade que seja das e dos ciclistas, das e dos pedestres, uma cidade na qual eu possa caminhar livremente. Dá pra imaginar tudo isso porque o Passe Livre só tá aí pautado hoje pelos setores mais surreais da sociedade porque ele esteve em bandeiras, debates, faixas em órgãos ocupado, discussões. A primeira coisa que esse processo me diz, portanto, é que na luta pelo passe livre estudantil nós tomamos a força um dos pontos principais do que chamamos de Direito a Cidade: o direito de transformar esse espaço, de modificá-lo, de lutar pelos nossos desejos e necessidades.

Ao longo deste tempo, outras coisas começaram a fazer sentido pra gente: não é só uma questão de ir para a escola. Ou para o hospital. é questão de ir para onde quisermos. é questão de poder ir, voltar, mudar de idéia no meio do caminho, trocar de ônibus. é questão de poder pegar um grande circular e descer no mesmo ponto de partida, pela simples vontade de aproveitar o caminho pra pensar na vida. Porque o que faz sentido hoje é que o meu, o seu, o nosso direito de ir e vir seja irrestrito, incontrolável, ingovernável. Que ele não dependa de catraca ou de fronteiras.

É aí que o transporte deixou de ser visto por nós como um meio de acesso para bens essenciais, e passou a ser, ele mesmo, um direito. O direito, puro e simples, de me locomover. Ora, se a Cidade é nossa (e nós partimos desse pressuposto), então temos que poder andar para onde quisermos, na hora que quisermos.

Nossos desejos e bandeiras de luta dão então um salto. Um salto enorme, mas bastante lógico. Ninguém deve pagar a tarifa, porque direito não se compra como mercadoria. Como tudo mais que atualmente consideramos como direito, o transporte deve ser pago pelos impostos, e pelos impostos dos mais ricos, para funcionar como distribuição de renda. Aquilo que já falávamos lá por 2004, passou a ter mais sentido: o transporte beneficia a sociedade como um todo e assim não faz sentido que quem o usa pague por ele.

O nome dessa nova bandeira é simples: Tarifa Zero. Uma proposta feita pelo ex-secretário de transporte de São Paulo, Lúcio Gregori, em 1991-2, que chegou a ser implementada em um bairro da grande São Paulo. O governo passaria a fretar os ônibus das atuais empresas de transporte e então elas deixariam de ter qualquer coisa a ver com a passagem de ônibus. O serviço de transportes passaria a ser, portanto, um serviço público de fato.

Assim como o Passe Livre Estudantil, a Tarifa Zero também é vista como uma loucura. De “uso abusivo dos transportes” (essa é do Fidel Castro), “vagabundos e bebados desocupados invadindo os ônibus”, “tudo que é de graça é degradado pela população e isso vai piorar a frota dos ônibus”(como se ela fosse ótima agora que é paga), até “não adianta deixar o transporte gratuito, temos que lutar para que cada família possa pagar pelo transporte”, escutamos de tudo. Todos questionamentos que parecem estranhos quando enxergamos o transporte como um direito.

Assim como o Passe Livre Estudantil, a Tarifa Zero é uma proposta em construção, uma construção cotidiana feita na e pela luta. Nós mesmxs, que hoje levantamos essa bandeira, temos questões a responder, dúvidas em como aplicá-la. Esse não é um problema. Nunca nos propusemos a ser um grupo com respostas prontas para os problemas que vivemos, sempre nos preocupamos em caminhar perguntando por onde ir. Daqui a alguns anos, quando quem sabe estivermos acompanhando a votação da Tarifa Zero, a nossa discussão também vai ser outra.

Assim como o Passe Livre Estudantil, a Tarifa zero não resolve o problema da Cidade. Ela é um caminho, é a abertura de novas possibilidades, um passo a mais na vida sem catracas que queremos construir.

Como qualquer outra medida que não imploda o capitalismo, o machismo, o racismo, o especismo, e outras tantas opressões, ela é insuficiente. Isso não a torna, no entanto, uma proposta paliativa. Ela não é paliativa porque a reivindicamos a partir da concepção de que essa cidade é nossa, e que podemos caminhar por ela, transforma-la, geri-la. Não é paliativa porque conquistá-la depende de todo um processo de luta na qual a horizontalidade, o anticapitalismo, o anti-racismo, o feminismo, fazem parte do cotidiano.

A minha cidade ideal está muito, muito distante do que vejo e sinto hoje. E, por gigantes que todas essas estruturas pareçam, elas não são maiores do que o direito que move o mundo desde muito tempo: o de lutar pelas mudanças, o de combater as opressões, o de resistir. É apenas essa força que me faz ver o mundo como ele funciona e não querer desistir dele.

quinta-feira, julho 09, 2009

Rebeldias, lutas e passe livre - uma história a se refletir

(Texto publicado no Jornal "Passe, livre, sem limites" 01)
Mandela Pereira Loureço

A pauta do passe livre ou meia passagem para estudantes é muito antiga. Já em 1918 estudantes de córdoba (Argentina) reivindicavam o passe livre em uma ocupação universitária. Em diferentes países da América Latina (Chile, Bolívia, Venezuela, Equador, Argentina) temos notícias de lutas semelhantes no decorrer da história. No Brasil a pauta já foi apresentada por diversas entidades estudantis desde no mínimo 60 anos atrás. O legado destas lutas é de tamanha relevância que cidades como Rio de Janeiro e Cuiabá já tem passe livre para setores estudantis há algumas décadas.

Geralmente estas lutas apresentam uma argumentação comum: a/o estudante não deve pagar para chegar à escola, dado que a educação pública e gratuita é um direito e deve ser assegurada pelo estado - faz-se a vinculação de educação e transporte, prevalecendo a educação na mobilidade urbana.

No do MPL desenvolvemos esta linha, ampliando a discussão em dois sentidos: entendemos a educação como um bem social assim como saúde, saneamento básico, moradia e cultura, pensando no amplo direito à cidade. Transporte para nós é também um bem essencial para as cidades, estando inserido em um amplo debate sobre a mobilidade urbana, que é a circulação livre dos serviços, bens e das pessoas na cidade - por isso o transporte não pode ser uma mercadoria (viver em função do lucro empresarial). Simplificando, o MPL luta pra que todo mundo possa ir à escola, hospital, teatro, biblioteca e que a biblioteca, teatro, escola e hospital também estejam em vários pontos da cidade sem centralização.

Além disso, damos uma tônica antisistêmica à luta, buscando reconhecer quais contradições da sociedade capitalista enfrentamos na nossa realidade. O racismo está presente, pois transporte é uma forma de segregação social. O machismo também, pois a mobilidade necessária é restringida pelos perigos que mulheres enfrentam ao andarem sozinhas pelas ruas a noite, por exemplo. E sabemos também que hospitais e escolas hoje servem mais pros patrões que pra população, e por isso lutamos por outra forma de organização da sociedade.

O Passe Livre Estudantil (P.L.E.) é, em nossa leitura, um começo de uma discussão mais ampla de sociedade, e deve estar orientado por alguns princípios. O MPL lançou em 2004 no DF o passe livre com base em alguns presuspostos: 1) o estado deveria pagar inteiramente a passagem, para acabar com o rateio entre outrxs usuários/as da meia passagem (reduzindo a tarifa); 2) o passe livre para além do trajeto casa-escola-casa, em qualquer horário, dia da semana ou ano, sem distinção de "quando-onde-como-porque", pensando a educação ampla do direito à cidade; 3) O P.L.E. é para toda e qualquer estudante, em qualquer grau; 4) não tem porque alguém perder o direito por conta de burocracias estatais ou de suposto "uso indevido" do passe livre, pois circular pela cidade, em qualquer situação, é exercer o direito a ela, não há nada de indevido nisso.

Fizemos, todavia, a vinculação constante da luta pelo passe livre à luta contra este sistema de transportes mercadológico, denunciando a sua forma arbitrária de organização. Em diversos momentos a luta do passe livre foi convertida em luta contra o aumento das passagens, e vice-versa. Desta vinculação do específico com o geral, do passe livre até os transportes e dos transportes até a sociedade é que intervimos na conjuntura do DF e Brasil.

Outros projetos de passe livre surgiram na sociedade, contemplando parcial ou totalmente estas perspectivas apresentadas. foram o passe social, o passe livre só casa-escola-casa, o passe livre só para escola pública secundarista, o passe livre com subsídio de só um terço pelo estado, e agora esse passe livre com lucro para os empresários. Apesar das diferentes justificativas todos estes projetos mantiveram preconceitos e restrições à idéia central de que o transporte é um direito social e, para ser público, tem que ser pago totalmente pelo estado por meio da receita dos impostos - em especial da parcela mais rica da sociedade. Também por isso permanecemos sempre apresentando nossas concepções de forma autônoma, independente e radicalizada.

Nossas inspirações locais pra realizarmos esta forma de luta no DF vieram, certamente, de muitas teorias, práticas sociais e outros movimentos políticos relevantes. Em especial duas recentes mobilizações formaram um certo paradigma pra gente: a Revolta do Buzú (Salvador, 2003) e a Revolta da Catraca (Florianópolis, 2004 e 2005). Trataram-se de fatos marcantes em que a população saiu às ruas em rebeldia e radicalização, alcançando parcial ou totalmente seus objetivos.

Os exemplos de Salvador e Floripa se converteram em mitos folclóricos para nossa luta - pois geralmente só relatávamos as partes convenietes da história daquelas complexas lutas. Elas também deixaram para nós um paradigma de conquista do passe livre: cercariamos a camara dos deputados ou o prédio do executivo com uma enorme mobilização, intimidariamos o governo que amedrontadíssimo implementaria o passe livre, com a faca na garganta. Nossas pretensões tinham então muito de heroísmo e relações simplistas de causa e efeito.

Essas imagens fantasiosas também ocorreram porque quando iniciamos a construção do Movimento Passe Livre no DF havia - como ainda há - mais que a vontade da conquista da pauta. Pelas nossas pretensões gerais de transformação revolucionária da realidade, por sermos novas agentes na sociedade e na luta de classes, nossa perspectiva era também de realizar a conquista unicamente pelos meios radicais que implementamos na luta. Era certamente uma mentalidade de guerra - necessária em vários momentos, mas não pro cotidiano da luta. Acredito, com um pouco de ironia, que estas pretensões de ser rambo não se sustentaram, pois inclusive este simpático ícone é uma representação de muito do que negamos - é a figura do heróico ocidental, machista, racista e imperial. Certamente a precisávamos de outras figuras pro nosso imaginário, pois a luta por um mundo novo não é feita em capítulos ou narrativas de começo, meio e fim bem definidas. E as personagens são complexas e contraditórias, necessariamente.

Mas nossa trajetória não foi só esse desespero sonhador. Realizamos importantes lutas e reconstruímos diferentes significações na cidade tanto nos transportes como também contribuímos para a cultura geral de lutas dos movimentos sociais na cidade. O MPL, junto com vários outros movimentos, participou da retomada de conceitos como ação direta, horizontalidade, rebeldia e irreverência na luta. Também aqui ajudamos a desenvolver alguns conceitos de luta política na cidade, como Catracaços, Escrachos, Ressignificações Urbanas, Okupas, entre outras. O nosso Exército Revolucionário Insurgente de Palhacis (E.R.I.P.), talvez seja a maior expressão disso tudo. Mas voltemos ao passe livre, que ainda estamos por conquistar de fato.

O caminho trilhado pelo MPL foi diferente da velocidade, radicalidade e causalidade que projetamos: no fim das contas, os conceitos "radicais e rebeldes" que apresentamos à sociedade foram incorporados em boa medida pelas instituições contra as quais lutamos. E, contraditoriamente, fomos ganhando espaço e respeito dentro de diversos espaços do sistema vigente. Assim, nossa ampla aceitação e reverência em espaços contraditórios da sociedade, como Universidades, Parlamento, Partidos políticos, Organizações burocráticas e até mesmo da mídia capitalista (que usa nossas manifestações e pautas como espetáculo para vender jornais), gerou a pressão social necessária para que a pauta avançasse. Mais que isso, o próprio poder executivo e o empresariado dos transportes assumem agora nossa pauta, porém dando uma roupagem e configuração que possibilite o maior lucro e projeção política.

Mas que situação! Pelo relato desenvolvido até agora parece que a forma e conteúdo da nossa luta estão sendo assimilados pela sociedade, e nossa proposta política apropriada pelos inimigos de classe. Mas o grande desafio é justamente esse, dado que um movimento que resiste no decorrer do tempo enfrenta momentos complexos. Nossa situação agora se recheia de contradições: não podemos, como muitos movimentos fazem, seguir da vitória parcial à acomodação ao sistema. As contradições que geramos à sociedade capitalista por meio da luta do passe livre deram um saldo importante. Mas trata-se agora de gerar novas contradições e insistir nas que não foram vencidas ainda - daí partimos à luta pela tarifa zero, para ampliar a discussão que iniciamos. Mais que isso, nossa organização e formas de trabalho não se alteraram: ainda somos um movimento que busca construir desde dentro aquele mundo novo que projetamos, e nossa principal forma de luta ainda é a ação direta. O nosso fim, como já apresentado, ainda é uma vida sem catracas, libertária. Até lá ainda falta um longo caminho. Dado que já o iniciamos e tudo que fizemos, interromper esta caminhada será muito pior que prossegui-la.

sábado, junho 27, 2009

ATUALIZADO Baixe aqui o Jornal Passe (livre, sem limites)

Baixe aqui o Jornal Passe (livre, sem limites) para impressão, com diversos artigos sobre a aprovação do Passe Livre Estudantil.
Essa publicação é mais um passo que damos na luta por uma cidade nossa. Nela, escrevemos algumas de nossas análises e perspectivas da vida que virá. Escrevemos, também algumas mensagens.
Leia e distribua!

Passe Livre aprovado na Câmara

(Texto escrito no dia 23 de Junho, logo após a aprovação do Passe Livre na Câmara)

Após horas assistindo ao espetáculo da votação da Câmara Legislativa, escrever qualquer coisa não é tarefa fácil. Entidades fantasmas, falas a favor de quem antes era contra, comentários pomposos sobre o Movimento Passe Livre, tentativas de lucrar ao máximo com esse mais novo direito.

Depois de tudo isso, algumas certezas.

A primeira delas é de que este foi o momento menos importante em nossos 5 anos de luta. É claro que a aprovação do Passe Livre é importante. Mas esta aprovação não começou hoje, ou nas audiências públicas, e menos ainda no gabinete do GDF. Todo esse processo se desenvolveu fora de qualquer espaço institucional, em cenários inusitados para as politicagens que escutamos hoje. Ele aconteceu na rodoviária, tantas vezes ocupada por nossos gritos e cartazes coloridos, nas principais avenidas de Brasília, fechadas pelas correntes humanas, nas ruas do Paranoá, Taguatinga, Riacho Fundo, São Sebastião...

Também a certeza de que esse processo não acaba aqui. Antes de ser um sossega leão, como já dizemos em nossa nota, a aprovação da lei do Passe Livre estimula o Movimento, dando a todos-as nós a recompensa que só a luta pelo que acreditamos pode dar. Ao longo deste tempo, escutamos tantas vezes que era impossível conquistar o que queríamos, que às vezes até a gente parecia ficar na dúvida....


Carregamos, igualmente, a certeza de que não chegamos ainda onde queremos.

Pra começar, esse Passe Livre é incompleto. Não é irrestrito, em todos os horários e locais, como nós, que acreditamos que a educação se dá nos mais diversos espaços e que o transporte é um direito de todxs, queremos.

Tampouco podemos esquecer que o governo empresarial de Arruda, Paulo Otávio e companhia não perdeu a chance de privilegiar o lucro dos empresários. O Passe Livre que queremos reduz a tarifa, já que o governo passará a pagar o preço total da passagem dos-as estudantes, atualmente pagos pelos-as usuários-as segundo o sistema da meia passagem. Deu-se um jeito, portanto, de aumentar a passagem de uma maneira popular e a nossa emenda ao projeto que propunha essa redução nem chegou a ser mencionada no plenário...


Cara a cara com essa conquista, vemos como nossas concepções avançaram desde que começamos a ocupar ruas reivindicando o Passe Livre. Hoje só a gratuidade estudantil nos parece insuficiente: para que o transporte seja público de fato, ninguém deve pagar a tarifa. Ela deve ser paga indiretamente, através de impostos, como todo direito. O nome dessa proposta é Tarifa Zero, e é ela que levantamos agora em busca do nosso direito de caminhar, colorir, transformar a cidade.

Para nossxs compas, a alegria compartilhada da primeira de muitas conquistas. Para os nossos inimigos, o aviso de que as ruas serão sempre ocupadas enquanto essa cidade não for de fato nossa....

O distúrbio tá só começando....

Movimento Passe Livre-DF


segunda-feira, junho 22, 2009

Votação do Projeto de Lei do Passe Livre


Amanhã é a votação do Projeto de Lei do Passe Livre. Primeiro, o projeto vai ser votado e em seguida suas emendas, entre elas muitas feitas por nós do Movimento Passe Livre. É muito importante estar presente o maior número de pessoas possíveis, já que nossa presença significa pressão para os deputados votarem a favor de emendas como o passe livre no fim de semana, da redução da passagem em decorrência do fim do pagamento pelxs usuárixs dos dois terços da passagem estudantil, etc.Temos que estar todxs lá, para garantir a nossa vitória!

Ah! A gente já apanhou, foi presx, ocupamos órgãos públicos, fechou rua.... tudo isso pelo passe livre! Ir até a Câmara a essa altura do campeonato não vai custar nada né!

23 de JUNHO, 15hrs, Câmara Legislativa (perto do extra da asa norte)
apitos, cornetas, faixas, bandeiras, batuques são bem vindos!

Por uma vida sem catracas! Passe Livre Já!

Movimento Passe Livre Df


quinta-feira, junho 11, 2009

Fique livre pra passar e ultrapasse o passe livre!

Distrito Federal, 09/06/09

Comunicado do Movimento Passe Livre do DF sobre a proposta do

passe livre estudantil pelo governo


Em uma jocosa cerimônia organizada na Câmara Legislativa do Distrito Federal dia 20/05/2009 foi entregue pelo poder executivo ao legislativo uma proposta do GDF de passe livre para estudantes. Ela, segundo dizem, será votada em breve pelos deputados distritais do DF. A repentina proposta do GDF pegou muitos e muitas no contrapé. O evento fantasioso da entrega do projeto - composto por holofotes, paparicagens e tratos falsos - deixou muita gente de queixo caído, pensando "caramba, meus inimigos/as agora concordam comigo. Eles e elas avançaram ou fui eu que virei conservador (a)?"

Nós do Movimento Passe Livre do Distrito Federal (MPL-DF), que nos últimos cinco anos lutamos nessa causa achamos que temos uma avaliação importante para compartilhar. Então, acerca deste projeto de passe livre, aparentemente surpreendente, o MPL-DF entende que:


* O Passe Livre estudantil é, sem sombra de dúvidas, uma vitória dos movimentos que há décadas apresentam esta pauta como alternativa aos transportes e incentivo à educação. Para nós do MPL-DF - que realizamos o debate do passe livre estudantil nacional e localmente por meio de nossas ações diretas - é evidente que esta proposta manteve-se viva na agenda política principalmente por que em sua defesa órgãos públicos foram ocupados, ruas foram fechadas e mobilizações de todos os tipos foram feitas. O passe livre existe hoje como realidade política porque foi, no passado, uma proposta ousada apresentada por diferentes grupos. Assim, saudamos com nosso sarcasmo todos e todas que, nesse passado, nos chamaram de inconseqüentes e malucos/as por propormos o passe livre e que hoje abraçam com unhas e dentes o projeto - talvez como única forma de manterem-se vivos politicamente. Os Governos do Distrito Federal, em especial, merecem este nosso deboche. Blé!

* Assim como nós, vários outros grupos e movimentos realizaram movimentações dos mais diferentes tipos, sentimentos e formas lutando por esta e outras pautas comuns. Isso porque aqui o transporte coletivo, a mobilidade urbana e o direito à cidade são piadas de mau gosto. Isso porque este Distrito se esforçou por manter separadíssimas as pessoas, segregando-as de modo que as máximas do movimento manguebeat "os de cima sobem e as/os de baixo descem; sempre uns com mais e outros/as com menos" são boas para descrever a realidade local. São igualmente inspiradoras as palavras do Movimento Hip Hop quando afirma que "A mente voltada pro bem o tornará poderoso, dando forças pra sair do círculo vicioso; sub-raça é a puta que pariu; Revolucionárias do Brasil! Fogo no pavio!"

* Nas últimas décadas o sistema de transportes do DF seguiu a lógica geral da segregação urbana. O transporte coletivo, entendido “pelos de cima” como mercadoria, funcionou e funciona como os grandes latifúndios improdutivos: alguns pequenos grupos de coronéis lucram horrores com a necessidade de ir e vir mantendo o serviço ruim, perigoso e estressante; governos seguidamente privilegiam as empresas privadas às públicas; usuários/as pagam caro pra andar mal; trabalhadores/as rodoviários/as e metroviários/as em péssimas condições salariais e de carga de trabalho. Quando começamos nossas movimentações, em 2004, esse foi o cenário que enfrentamos. E as diversas lutas que fizemos terminaram de deslegitimar essa forma de se organizar os transportes. Tanto foi que nas últimas eleições todas as candidaturas apresentaram planos, fantasias e promessas de mudança do sistema de transporte coletivo, dado que a pressão popular tornava necessárias respostas sobre o assunto. Incluíram, inclusive, o passe livre estudantil ou social em várias plataformas eleitorais.

* Agora vem o pulo do gato: com o fracasso parcial do neoliberalismo dos transportes - apelidado de Brasília Integrada - o governo em sua ânsia de apelo social recorre às agendas de impacto e apoio popular, as mesmas que ele antes rejeitou. O maldito, mal falado, malquisto e aparentemente derrotado passe livre ressurge das cinzas, como a mais bela das fênix libertárias. O mesmo GDF que chamou de inconseqüente o passe estudantil, que antes tratou o passe livre como inconstitucional, que mandou a polícia reprimir e prender manifestantes rebeldes reapresenta este projeto em um ato de desespero e reconhecimento do quão justa e eficaz era – e é – nossa pauta. Mas, na leitura deles, o passe livre é eficaz para sustentar re-eleições, e justo porque amansa o empresariado dos transportes com o benefício indireto que eles propõem - já que querem pagar às empresas o valor total sem diminuir das passagens o preço que passageiras e passageiros pagavam pela meia passagem estudantil. Assim quer o governo fazer do passe livre para estudantes um aumento de lucro dos empresários, tipo um aumento indireto das tarifas. Mas, acreditem, os poderosos acabarão pagando gata por lebre, pois o povo não é bobo. Nós gatas nascemos pobres, porém livres!

* E, podem ter certeza, nossa luta não acaba aí. A conquista do passe livre, longe de ser um sossega leão, serve como incentivo à luta. O passe livre, demanda que veio de baixo e à esquerda, é mais uma prova concreta de que a luta social é válida e tem resultados, de que o poder do povo pode e vai fazer um mundo novo. É, porém, só o começo de um longo caminho que temos a trilhar. Além de esse passe livre ser todo restrito (burocrático, só no trajeto casa-escola-casa, no período letivo), almejamos muito mais. Nossa pauta hoje é mais ampliada: queremos que o transporte coletivo seja pago pelos impostos de todos e todas, de modo que ninguém precise pagar passagens na hora do uso – seria a tarifa zero. Nossa proposta de sociedade... bem, vocês sabem, nunca fomos muito de ousadias, só queremos que a sociedade seja justa, sem capitalismo nem qualquer outra forma de opressão. É simples assim.

* Vale lembrar que até o momento, em relação a esta proposta, não temos nenhuma conquista concreta: continuamos no campo das palavras e papéis. O governo agora fala usando as linguagens do movimento, os deputados agora afirmam que em breve a proposta será aprovada, os técnicos dizem ser esta uma questão de fácil aplicabilidade. Mas o direito ainda não foi implementado, e não faltaram oportunidades para tanto: outros projetos de passe livre já foram apresentados e rejeitados pelo no passado recente.


* E, por fim, como dissemos quando um desses foi aprovado, em 2005 "Se as autoridades, entretanto, acharam que iam nos calar aprovando esse projeto, se enganaram. Se acharam que íamos parar de lutar contra os abusos empresariais nos transportes, sua análise foi equivocada. Se acharam que, com esse pequeno avanço, iam evitar que a rebelião que vem ocorrendo em todo país atingisse a capital nacional, sentimos muito em informar mas, mais uma vez, nos subestimaram. Se, ao contrário, embora duvidemos, as autoridades aprovaram o projeto por achá-lo justo e necessário para a população, precisamos informá-los que, para alcançar o que é justo e necessário ainda há muito por fazer, e esse passe livre estudantil é apenas um começo. Nós, do Movimento Passe Livre, reafirmamos a nossa disposição e (mais que isso) a necessidade de continuar lutando, Não sossegaremos enquanto o transporte que alguns chamam de público não possa ser, de fato, assim chamado por todos/as. Enquanto o transporte coletivo e a sociedade não tiverem seus funcionamentos absolutamente alterados para uma lógica popular, as ruas ainda correm o risco de serem fechadas, os órgãos públicos não estão a salvo de serem ocupados, os ônibus ainda correm o risco de um catracaço iminente, etc. Por isso, como sempre dizemos (o) amanhã vai ser maior. As mobilizações, passeatas e atos continuam e o MPL mantém sua disposição de luta na sociedade, por uma vida sem catracas. Já fizemos muito, mas ainda temos muito mais o que fazer. O distúrbio está só começando..."


"Passe, passe, passe livre sem limites: fique livre pra passar e ultrapasse o passe livre!" (Ciclovida).


Por uma vida sem catracas!
Movimento Passe Livre do Distrito Federal

segunda-feira, junho 08, 2009

Adeus, General Motors

reflexão interessante sobre a falência da General Motors e sobre a oportunidade de priorizar outro tipo de transporte que não o carro. Sempre com as devidas ressalvas: o programa de "sustentabilidade" é suficiente para acabar com as injustiças?que sustentabilidade faz sentido dentro do sistema capitalista?

Michael Moore


Escrevo na manhã que marca o fim da toda-poderosa General Motors. Quando chegar a noite, o Presidente dos Estados Unidos terá oficializado o ato: a General Motors, como conhecemos, terá chegado ao fim.

Estou sentado aqui na cidade natal da GM, em Flint, Michigan, rodeado por amigos e familiares cheios de ansiedade a respeito do futuro da GM e da cidade. 40% das casas e estabelecimentos comerciais estão abandonados por aqui. Imagine o que seria se você vivesse em uma cidade onde uma a cada duas casas estão vazias. Como você se sentiria?

É com triste ironia que a empresa que inventou a “obsolescência programada” – a decisão de construir carros que se destroem em poucos anos, obrigando o consumidor a comprar outro – tenha se tornado ela mesma obsoleta. Ela se recusou a construir os carros que o público queria, com baixo consumo de combustível, confortáveis e seguros. Ah, e que não caíssem aos pedaços depois de dois anos. A GM lutou aguerridamente contra todas as formas de regulação ambiental e de segurança. Seus executivos arrogantemente ignoraram os “inferiores” carros japoneses e alemães, carros que poderiam se tornar um padrão para os compradores de automóveis. A GM ainda lutou contra o trabalho sindicalizado, demitindo milhares de empregados apenas para “melhorar” sua produtividade a curto prazo.

No começo da década de 80, quando a GM estava obtendo lucros recordes, milhares de postos de trabalho foram movidos para o México e outros países, destruindo as vidas de dezenas de milhares de trabalhadores americanos. A estupidez dessa política foi que, ao eliminar a renda de tantas famílias americanas, eles eliminaram também uma parte dos compradores de carros. A História irá registrar esse momento da mesma maneira que registrou a Linha Maginot francesa, ou o envenenamento do sistema de abastecimento de água dos antigos romanos, que colocaram chumbo em seus aquedutos.

Pois estamos aqui no leito de morte da General Motors. O corpo ainda não está frio e eu (ouso dizer) estou adorando. Não se trata do prazer da vingança contra uma corporação que destruiu a minha cidade natal, trazendo miséria, desestruturação familiar, debilitação física e mental, alcoolismo e dependência por drogas para as pessoas que cresceram junto comigo. Também não sinto prazer sabendo que mais de 21 mil trabalhadores da GM serão informados que eles também perderam o emprego.

Mas você, eu e o resto dos EUA somos donos de uma montadora de carros! Eu sei, eu sei – quem no planeta Terra quer ser dono de uma empresa de carros? Quem entre nós quer ver 50 bilhões de dólares de impostos jogados no ralo para tentar salvar a GM? Vamos ser claros a respeito disso: a única forma de salvar a GM é matar a GM. Salvar a preciosa infra-estrutura industrial, no entanto, é outra conversa e deve ser prioridade máxima.

Se permitirmos o fechamento das fábricas, perceberemos que elas poderiam ter sido responsáveis pela construção dos sistemas de energia alternativos que hoje tanto precisamos. E quando nos dermos conta que a melhor forma de nos transportarmos é sobre bondes, trens-bala e ônibus limpos, como faremos para reconstruir essa infra-estrutura se deixamos morrer toda a nossa capacidade industrial e a mão-de-obra especializada?

Já que a GM será “reorganizada” pelo governo federal e pela corte de falências, aqui vai uma sugestão ao Presidente Obama, para o bem dos trabalhadores, da GM, das comunidades e da nação. 20 anos atrás eu fiz o filme “Roger & Eu”, onde tentava alertar as pessoas sobre o futuro da GM. Se as estruturas de poder e os comentaristas políticos tivessem ouvido, talvez boa parte do que está acontecendo agora pudesse ter sido evitada. Baseado nesse histórico, solicito que a seguinte ideia seja considerada:

1. Assim como o Presidente Roosevelt fez depois do ataque a Pearl Harbor, o Presidente (Obama) deve dizer à nação que estamos em guerra e que devemos imediatamente converter nossas fábricas de carros em indústrias de transporte coletivo e veículos que usem energia alternativa. Em 1942, depois de alguns meses, a GM interrompeu sua produção de automóveis e adaptou suas linhas de montagem para construir aviões, tanques e metralhadoras. Esta conversão não levou muito tempo. Todos apoiaram. E os nazistas foram derrotados.

Estamos agora em um tipo diferente de guerra – uma guerra que nós travamos contra o ecossistema, conduzida pelos nossos líderes corporativos. Essa guerra tem duas frentes. Uma está em Detroit. Os produtos das fábricas da GM, Ford e Chrysler constituem hoje verdadeiras armas de destruição em massa, responsáveis pelas mudanças climáticas e pelo derretimento da calota polar.

As coisas que chamamos de “carros” podem ser divertidas de dirigir, mas se assemelham a adagas espetadas no coração da Mãe Natureza. Continuar a construir essas “coisas” irá levar à ruína a nossa espécie e boa parte do planeta.

A outra frente desta guerra está sendo bancada pela indústria do petróleo contra você e eu. Eles estão comprometidos a extrair todo o petróleo localizado debaixo da terra. Eles sabem que estão “chupando até o caroço”. E como os madeireiros que ficaram milionários no começo do século 20, eles não estão nem aí para as futuras gerações.

Os barões do petróleo não estão contando ao público o que sabem ser verdade: que temos apenas mais algumas décadas de petróleo no planeta. À medida que esse dia se aproxima, é bom estar preparado para o surgimento de pessoas dispostas a matar e serem mortas por um litro de gasolina.

Agora que o Presidente Obama tem o controle da GM, deve imediatamente converter suas fábricas para novos e necessários usos.

2. Não coloque mais US$30 bilhões nos cofres da GM para que ela continue a fabricar carros. Em vez disso, use este dinheiro para manter a força de trabalho empregada, assim eles poderão começar a construir os meios de transporte do século XXI.

3. Anuncie que teremos trens-bala cruzando o país em cinco anos. O Japão está celebrando o 45o aniversário do seu primeiro trem bala este ano. Agora eles já têm dezenas. A velocidade média: 265km/h. Média de atrasos nos trens: 30 segundos. Eles já têm esses trens há quase 5 décadas e nós não temos sequer um! O fato de já existir tecnologia capaz de nos transportar de Nova Iorque até Los Angeles em 17 horas de trem e que esta tecnologia não tenha sido usada é algo criminoso. Vamos contratar os desempregados para construir linhas de trem por todo o país. De Chicago até Detroit em menos de 2 horas. De Miami a Washington em menos de 7 horas. Denver a Dallas em 5h30. Isso pode ser feito agora.

4. Comece um programa para instalar linhas de bondes (veículos leves sobre trilhos) em todas as nossas cidades de tamanho médio. Construa esses trens nas fábricas da GM. E contrate mão-de-obra local para instalar e manter esse sistema funcionando.

5. Para as pessoas nas áreas rurais não servidas pelas linhas de bonde, faça com que as fábricas da GM construam ônibus energeticamente eficientes e limpos.

6. Por enquanto, algumas destas fábricas podem produzir carros híbridos ou elétricos (e suas baterias). Levará algum tempo para que as pessoas se acostumem às novas formas de se transportar, então se ainda teremos automóveis, que eles sejam melhores do que os atuais. Podemos começar a construir tudo isso nos próximos meses (não acredite em quem lhe disser que a adaptação das fábricas levará alguns anos – isso não é verdade)

7. Transforme algumas das fábricas abandonadas da GM em espaços para moinhos de vento, painéis solares e outras formas de energia alternativa. Precisamos de milhares de painéis solares imediatamente. E temos mão-de-obra capacitada a construí-los.

8. Dê incentivos fiscais àqueles que usem carros híbridos, ônibus ou trens. Também incentive os que convertem suas casas para usar energia alternativa.

9. Para ajudar a financiar este projeto, coloque US$ 2,00 de imposto em cada galão de gasolina. Isso irá fazer com que mais e mais pessoas convertam seus carros para modelos mais econômicos ou passem a usar as novas linhas de bondes que os antigos fabricantes de automóveis irão construir.

Bom, esse é um começo. Mas por favor, não salve a General Motors, já que uma versão reduzida da companhia não fará nada a não ser construir mais Chevys ou Cadillacs. Isso não é uma solução de longo prazo.

Cem anos atrás, os fundadores da General Motors convenceram o mundo a desistir dos cavalos e carroças por uma nova forma de locomoção. Agora é hora de dizermos adeus ao motor a combustão. Parece que ele nos serviu bem durante algum tempo. Nós aproveitamos restaurantes drive-thru. Nós fizemos sexo no banco da frente – e no de trás também. Nós assistimos filmes em cinemas drive-in, fomos à corridas de Nascar ao redor do país e vimos o Oceano Pacífico pela primeira vez através da janela de um carro na Highway 1. E agora isso chegou ao fim. É um novo dia e um novo século. O Presidente – e os sindicatos dos trabalhadores da indústria automobilística – devem aproveitar esse momento para fazer uma bela limonada com este limão amargo e triste.

Ontem, a última sobrevivente do Titanic morreu. Ela escapou da morte certa naquela noite e viveu por mais 97 anos.

Nós podemos sobreviver ao nosso Titanic em todas as “Flint – Michigans” deste país. 60% da General Motors é nossa. E eu acho que nós podemos fazer um trabalho melhor.



Audiência sobre os problemas do transporte coletivo no Distrito Federal, da qual o MPL-DF participou.

Dia Mundial Sem Carro - Vídeo



Vídeo sobre a bicicletada no Dia Mundial Sem Carro

Dia Nacional de Luta pelo Passe livre - Vídeo



Vídeo sobre a manifestação do Dia Nacional de luta pelo Passe Livre, em Taguatinga.