segunda-feira, julho 13, 2009

5 anos da revolta da Catraca: Construir a Memória da Resistência em Florianópolis"- veja os registros

Veja as discussões que ocorreram no encontro "5 anos da Revolta da Catraca: Construir a Memória da Resistência em Florianópolis", realizado entre os dias 26 de Junho e 03 de Julho.

26 de Junho, "O que é, e qual é a realidade da mobilidade urbana?" • As cidades contemporâneas: as reformas urbanas do século XX e segregação sócio-espacial em Florianópolis (Vinícius Possebon, historiador) • A cor da cidade: mobilidade urbana e segregação espacial em uma cidade de espaços racialmente marcados (Paíque, antropólogo e militante do Movimento Passe Livre – DF). • Privatização do transporte: O regime de concessões e a consolidação da sociedade do automóvel (Marcelo Pomar, historiador e militante do MPL Floripa)
27 de Junho, "O que propomos em relação à mobilidade urbana? O Direito à cidade"• Experiência da Cidade de São Paulo (Lúcio Gregori, ex-secretário Municipal de Transportes em São Paulo, autor do Projeto Tarifa Zero e da Municipalização dos Transportes na capital paulista) • Lutas sociais pelo transporte (Victor Calejon “Khaled”, militante do MPL Floripa) • A posição dos ciclousuários (André Geraldo Soares, Viaciclo)
27 de Junho, "Transporte Coletivo Urbano em Florianópolis: Trajetória histórica e momento político"
• Werner Krauss (Centro Tecnológico da UFSC) • Ricardo Freitas (Sintraturb)
29 de Junho, "Construindo a Memória da Resistência: Visões sobre a Revolta - Reflexões a partir dos Olhares dos Participantes" • Marcelo Pomar (historiador e militante do MPL Floripa) • Carolina Cruz, “Cabelo”, Thiago Umberto “Garganta”, Mayara Pires (estudantes secundaristas na época da revolta) • Denílson Machado (ex-diretor do SEEB e integrante do Fórum em Defesa do Transporte Coletivo na Grande Florianópolis) • Daniel Guimarães (jornalista, co-fundador do Centro de Mídia Independente em Florianópolis e militante do MPL Floripa) • Rafael Knabben (cientista social)
30 de Junho, "Análise de Conjuntura da Florianópolis Atual" • Lino Bragança Peres (Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC)• Elson Manoel Pereira (Professor do Departamento de Geografia da UFSC)
01 de Julho, "Revoltas Antes da “Revolta” – Breve História das Contestações Políticas em Florianópolis" • Da Anistia à ditadura militar no estado de Santa Catarina (Prudente Mello, advogado, presidente da Comissão de Direitos Humanos durante as revoltas) • Política em Florianópolis da Novembrada até hoje (Reinaldo Lohn, professor do departamento de História da Udesc) • Lutas urbanas na planície do Campeche (Tereza Cristina Barbosa, bióloga, membro do Movimento Campeche Qualidade de Vida)
2 de Julho, "Movimentos Políticos Juvenis Ontem e Hoje" • Movimentos políticos juvenis: uma abordagem panorâmica (Janice Tirelli, professora do departamento de Sociologia Política da UFSC e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Juventudes Contemporâneas)• Revoltas juvenis na França: de 68 a 2005 (Luís Antônio Groppo, sociólogo, professor do programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo e pesquisador do CNPq) • Herbert Marcuse e a grande recusa hoje (Isabel Loureiro, professora colaboradora no programa de Pós-graduação em Política da UNICAMP)
3 de Julho, "Influência das Revoltas nas Lutas pelo Transporte Brasil Afora". Representantes do MPL-SP, MPL-DF e MPL Joinville

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A cidade e os sonhos: Por uma vida sem catracas

(Texto publicado no Jornal Passe, livre, sem limites -01)
Maria Paiva Lins

Quando a gente pensa em uma cidade, a imagem é clara: luzes, barulhos, prédios altos, movimento incessante de carros, máquinas e, às vezes,pessoas. Dá pra imaginar uma cidade, com toda carga histórica que esse termo carrega, que seja diferente disso?

Muitas vezes, minha experiência cotidiana me diz que não. Andar na cidade parece um desafio constante a tantas idéias grandes, coisas imensas, bem maiores do que eu. Andar e viver na cidade é um eterno jogo de estratégias, de melhores caminhos, pelo simples fato de eu ser mulher em uma sociedade machista. Uma grande partida de batalha naval, por eu ser pedestre e ciclista. Ou uma corrida incessante de fórmula 1, uma fórmula 1 engarrafada, se estou motorista. Uma sucessão de portas e janelas fechadas, se eu fosse negra (e, portanto, uma sucessão de portas e janelas abertas por eu ser branca). Andar na cidade nem é possível se eu não tiver dinheiro para a passagem.

Tudo isso transferido ao cenário melancólico de Brasília, e as coisas se tornam mais desesperadoras. Grandes espaços vazios, prédios bonitos, concreto branco por todos os lados, monumentos, a cidade-maquete resultado de um projeto modernista de exclusão, a cidade-maquete do apartheid social,. A cidade-maquete da centralização: todos os serviços “de qualidade”, os lazeres, os empregos, as quadras de futebol, as árvores, os parquinhos, estão no plano. O campo de concentração às avessas, como dizemos dentro do Movimento, já que todo mundo é obrigado a permanecer dentro das cidades- “satélites”, ao redor do “plano piloto'. As cidades satélites, tão parte do planejamento como a Brasília, capital da esperança.

Para a maioria das pessoas, entre percorrer esses espaços e apenas ouvir falar deles, existe uma distância significativa: a tarifa do ônibus, do metrô, do microônibus. Uma distância absurda.Uma distância, muitas vezes, insuperável. Isso quer dizer que, mesmo que Brasília fosse um espaço mais bacana, muita gente não poderia desfrutar dela, como de fato não o pode hoje.

Aí a gente vê que, pra cidade funcionar, a gente depende de transporte pra tudo. Pra ir pra escola, pro hospital, pro cinema, pro show da esplanada, pro trabalho. Aí a gente vê que, se a gente paga na hora de passar pela catraca, então a gente paga pra ir pra escola, mesmo que ela seja pública. Que a gente paga pra ir pro hospital, mesmo que ele seja público...

O argumento para a aprovação do passe livre estudantil, passa a ser, então, bastante óbvio: estudante não ganha dinheiro e precisa estudar. Se a gente precisa pagar o transporte, a escola deixa de ser pública e então esse direito básico deixa de ser respeitado. Educação e transporte andam aí juntos, inseparáveis.

Era nesse argumento que eu pensava quando entrei, no final de 2004, naquilo que na época se chamava Comitê Autônomo de luta Pelo Passe Livre e que hoje se chama Movimento Passe Livre -DF. Nessa época, por estranho que pareça hoje, essa proposta parecia uma loucura: “nunca vai dar certo”, “eu também quero tudo de graça, mas temos que trabalhar ” (essa é do Presidente Lula), “passe livre tem que ser só pra quem não tem dinheiro”, etc e tal. Mesmo que fosse já uma bandeira histórica do movimento estudantil, muita gente parecia não levá-la a sério e, principalmente, muita gente parecia achar impossível que ela se realizasse. Eu, particularmente, não a achava impossível... mas parecia muito, muito distante.

Agora, frente a frente como estamos com a aprovação do Passe Livre, as dúvidas, e as reflexões são outras.

Tudo isso me diz, antes de mais nada que, sim, dá pra imaginar uma cidade diferente. Dá pra imaginar uma cidade que não seja permeada por auto-pistas, da pra imaginar uma cidade que seja das e dos ciclistas, das e dos pedestres, uma cidade na qual eu possa caminhar livremente. Dá pra imaginar tudo isso porque o Passe Livre só tá aí pautado hoje pelos setores mais surreais da sociedade porque ele esteve em bandeiras, debates, faixas em órgãos ocupado, discussões. A primeira coisa que esse processo me diz, portanto, é que na luta pelo passe livre estudantil nós tomamos a força um dos pontos principais do que chamamos de Direito a Cidade: o direito de transformar esse espaço, de modificá-lo, de lutar pelos nossos desejos e necessidades.

Ao longo deste tempo, outras coisas começaram a fazer sentido pra gente: não é só uma questão de ir para a escola. Ou para o hospital. é questão de ir para onde quisermos. é questão de poder ir, voltar, mudar de idéia no meio do caminho, trocar de ônibus. é questão de poder pegar um grande circular e descer no mesmo ponto de partida, pela simples vontade de aproveitar o caminho pra pensar na vida. Porque o que faz sentido hoje é que o meu, o seu, o nosso direito de ir e vir seja irrestrito, incontrolável, ingovernável. Que ele não dependa de catraca ou de fronteiras.

É aí que o transporte deixou de ser visto por nós como um meio de acesso para bens essenciais, e passou a ser, ele mesmo, um direito. O direito, puro e simples, de me locomover. Ora, se a Cidade é nossa (e nós partimos desse pressuposto), então temos que poder andar para onde quisermos, na hora que quisermos.

Nossos desejos e bandeiras de luta dão então um salto. Um salto enorme, mas bastante lógico. Ninguém deve pagar a tarifa, porque direito não se compra como mercadoria. Como tudo mais que atualmente consideramos como direito, o transporte deve ser pago pelos impostos, e pelos impostos dos mais ricos, para funcionar como distribuição de renda. Aquilo que já falávamos lá por 2004, passou a ter mais sentido: o transporte beneficia a sociedade como um todo e assim não faz sentido que quem o usa pague por ele.

O nome dessa nova bandeira é simples: Tarifa Zero. Uma proposta feita pelo ex-secretário de transporte de São Paulo, Lúcio Gregori, em 1991-2, que chegou a ser implementada em um bairro da grande São Paulo. O governo passaria a fretar os ônibus das atuais empresas de transporte e então elas deixariam de ter qualquer coisa a ver com a passagem de ônibus. O serviço de transportes passaria a ser, portanto, um serviço público de fato.

Assim como o Passe Livre Estudantil, a Tarifa Zero também é vista como uma loucura. De “uso abusivo dos transportes” (essa é do Fidel Castro), “vagabundos e bebados desocupados invadindo os ônibus”, “tudo que é de graça é degradado pela população e isso vai piorar a frota dos ônibus”(como se ela fosse ótima agora que é paga), até “não adianta deixar o transporte gratuito, temos que lutar para que cada família possa pagar pelo transporte”, escutamos de tudo. Todos questionamentos que parecem estranhos quando enxergamos o transporte como um direito.

Assim como o Passe Livre Estudantil, a Tarifa Zero é uma proposta em construção, uma construção cotidiana feita na e pela luta. Nós mesmxs, que hoje levantamos essa bandeira, temos questões a responder, dúvidas em como aplicá-la. Esse não é um problema. Nunca nos propusemos a ser um grupo com respostas prontas para os problemas que vivemos, sempre nos preocupamos em caminhar perguntando por onde ir. Daqui a alguns anos, quando quem sabe estivermos acompanhando a votação da Tarifa Zero, a nossa discussão também vai ser outra.

Assim como o Passe Livre Estudantil, a Tarifa zero não resolve o problema da Cidade. Ela é um caminho, é a abertura de novas possibilidades, um passo a mais na vida sem catracas que queremos construir.

Como qualquer outra medida que não imploda o capitalismo, o machismo, o racismo, o especismo, e outras tantas opressões, ela é insuficiente. Isso não a torna, no entanto, uma proposta paliativa. Ela não é paliativa porque a reivindicamos a partir da concepção de que essa cidade é nossa, e que podemos caminhar por ela, transforma-la, geri-la. Não é paliativa porque conquistá-la depende de todo um processo de luta na qual a horizontalidade, o anticapitalismo, o anti-racismo, o feminismo, fazem parte do cotidiano.

A minha cidade ideal está muito, muito distante do que vejo e sinto hoje. E, por gigantes que todas essas estruturas pareçam, elas não são maiores do que o direito que move o mundo desde muito tempo: o de lutar pelas mudanças, o de combater as opressões, o de resistir. É apenas essa força que me faz ver o mundo como ele funciona e não querer desistir dele.

quinta-feira, julho 09, 2009

Rebeldias, lutas e passe livre - uma história a se refletir

(Texto publicado no Jornal "Passe, livre, sem limites" 01)
Mandela Pereira Loureço

A pauta do passe livre ou meia passagem para estudantes é muito antiga. Já em 1918 estudantes de córdoba (Argentina) reivindicavam o passe livre em uma ocupação universitária. Em diferentes países da América Latina (Chile, Bolívia, Venezuela, Equador, Argentina) temos notícias de lutas semelhantes no decorrer da história. No Brasil a pauta já foi apresentada por diversas entidades estudantis desde no mínimo 60 anos atrás. O legado destas lutas é de tamanha relevância que cidades como Rio de Janeiro e Cuiabá já tem passe livre para setores estudantis há algumas décadas.

Geralmente estas lutas apresentam uma argumentação comum: a/o estudante não deve pagar para chegar à escola, dado que a educação pública e gratuita é um direito e deve ser assegurada pelo estado - faz-se a vinculação de educação e transporte, prevalecendo a educação na mobilidade urbana.

No do MPL desenvolvemos esta linha, ampliando a discussão em dois sentidos: entendemos a educação como um bem social assim como saúde, saneamento básico, moradia e cultura, pensando no amplo direito à cidade. Transporte para nós é também um bem essencial para as cidades, estando inserido em um amplo debate sobre a mobilidade urbana, que é a circulação livre dos serviços, bens e das pessoas na cidade - por isso o transporte não pode ser uma mercadoria (viver em função do lucro empresarial). Simplificando, o MPL luta pra que todo mundo possa ir à escola, hospital, teatro, biblioteca e que a biblioteca, teatro, escola e hospital também estejam em vários pontos da cidade sem centralização.

Além disso, damos uma tônica antisistêmica à luta, buscando reconhecer quais contradições da sociedade capitalista enfrentamos na nossa realidade. O racismo está presente, pois transporte é uma forma de segregação social. O machismo também, pois a mobilidade necessária é restringida pelos perigos que mulheres enfrentam ao andarem sozinhas pelas ruas a noite, por exemplo. E sabemos também que hospitais e escolas hoje servem mais pros patrões que pra população, e por isso lutamos por outra forma de organização da sociedade.

O Passe Livre Estudantil (P.L.E.) é, em nossa leitura, um começo de uma discussão mais ampla de sociedade, e deve estar orientado por alguns princípios. O MPL lançou em 2004 no DF o passe livre com base em alguns presuspostos: 1) o estado deveria pagar inteiramente a passagem, para acabar com o rateio entre outrxs usuários/as da meia passagem (reduzindo a tarifa); 2) o passe livre para além do trajeto casa-escola-casa, em qualquer horário, dia da semana ou ano, sem distinção de "quando-onde-como-porque", pensando a educação ampla do direito à cidade; 3) O P.L.E. é para toda e qualquer estudante, em qualquer grau; 4) não tem porque alguém perder o direito por conta de burocracias estatais ou de suposto "uso indevido" do passe livre, pois circular pela cidade, em qualquer situação, é exercer o direito a ela, não há nada de indevido nisso.

Fizemos, todavia, a vinculação constante da luta pelo passe livre à luta contra este sistema de transportes mercadológico, denunciando a sua forma arbitrária de organização. Em diversos momentos a luta do passe livre foi convertida em luta contra o aumento das passagens, e vice-versa. Desta vinculação do específico com o geral, do passe livre até os transportes e dos transportes até a sociedade é que intervimos na conjuntura do DF e Brasil.

Outros projetos de passe livre surgiram na sociedade, contemplando parcial ou totalmente estas perspectivas apresentadas. foram o passe social, o passe livre só casa-escola-casa, o passe livre só para escola pública secundarista, o passe livre com subsídio de só um terço pelo estado, e agora esse passe livre com lucro para os empresários. Apesar das diferentes justificativas todos estes projetos mantiveram preconceitos e restrições à idéia central de que o transporte é um direito social e, para ser público, tem que ser pago totalmente pelo estado por meio da receita dos impostos - em especial da parcela mais rica da sociedade. Também por isso permanecemos sempre apresentando nossas concepções de forma autônoma, independente e radicalizada.

Nossas inspirações locais pra realizarmos esta forma de luta no DF vieram, certamente, de muitas teorias, práticas sociais e outros movimentos políticos relevantes. Em especial duas recentes mobilizações formaram um certo paradigma pra gente: a Revolta do Buzú (Salvador, 2003) e a Revolta da Catraca (Florianópolis, 2004 e 2005). Trataram-se de fatos marcantes em que a população saiu às ruas em rebeldia e radicalização, alcançando parcial ou totalmente seus objetivos.

Os exemplos de Salvador e Floripa se converteram em mitos folclóricos para nossa luta - pois geralmente só relatávamos as partes convenietes da história daquelas complexas lutas. Elas também deixaram para nós um paradigma de conquista do passe livre: cercariamos a camara dos deputados ou o prédio do executivo com uma enorme mobilização, intimidariamos o governo que amedrontadíssimo implementaria o passe livre, com a faca na garganta. Nossas pretensões tinham então muito de heroísmo e relações simplistas de causa e efeito.

Essas imagens fantasiosas também ocorreram porque quando iniciamos a construção do Movimento Passe Livre no DF havia - como ainda há - mais que a vontade da conquista da pauta. Pelas nossas pretensões gerais de transformação revolucionária da realidade, por sermos novas agentes na sociedade e na luta de classes, nossa perspectiva era também de realizar a conquista unicamente pelos meios radicais que implementamos na luta. Era certamente uma mentalidade de guerra - necessária em vários momentos, mas não pro cotidiano da luta. Acredito, com um pouco de ironia, que estas pretensões de ser rambo não se sustentaram, pois inclusive este simpático ícone é uma representação de muito do que negamos - é a figura do heróico ocidental, machista, racista e imperial. Certamente a precisávamos de outras figuras pro nosso imaginário, pois a luta por um mundo novo não é feita em capítulos ou narrativas de começo, meio e fim bem definidas. E as personagens são complexas e contraditórias, necessariamente.

Mas nossa trajetória não foi só esse desespero sonhador. Realizamos importantes lutas e reconstruímos diferentes significações na cidade tanto nos transportes como também contribuímos para a cultura geral de lutas dos movimentos sociais na cidade. O MPL, junto com vários outros movimentos, participou da retomada de conceitos como ação direta, horizontalidade, rebeldia e irreverência na luta. Também aqui ajudamos a desenvolver alguns conceitos de luta política na cidade, como Catracaços, Escrachos, Ressignificações Urbanas, Okupas, entre outras. O nosso Exército Revolucionário Insurgente de Palhacis (E.R.I.P.), talvez seja a maior expressão disso tudo. Mas voltemos ao passe livre, que ainda estamos por conquistar de fato.

O caminho trilhado pelo MPL foi diferente da velocidade, radicalidade e causalidade que projetamos: no fim das contas, os conceitos "radicais e rebeldes" que apresentamos à sociedade foram incorporados em boa medida pelas instituições contra as quais lutamos. E, contraditoriamente, fomos ganhando espaço e respeito dentro de diversos espaços do sistema vigente. Assim, nossa ampla aceitação e reverência em espaços contraditórios da sociedade, como Universidades, Parlamento, Partidos políticos, Organizações burocráticas e até mesmo da mídia capitalista (que usa nossas manifestações e pautas como espetáculo para vender jornais), gerou a pressão social necessária para que a pauta avançasse. Mais que isso, o próprio poder executivo e o empresariado dos transportes assumem agora nossa pauta, porém dando uma roupagem e configuração que possibilite o maior lucro e projeção política.

Mas que situação! Pelo relato desenvolvido até agora parece que a forma e conteúdo da nossa luta estão sendo assimilados pela sociedade, e nossa proposta política apropriada pelos inimigos de classe. Mas o grande desafio é justamente esse, dado que um movimento que resiste no decorrer do tempo enfrenta momentos complexos. Nossa situação agora se recheia de contradições: não podemos, como muitos movimentos fazem, seguir da vitória parcial à acomodação ao sistema. As contradições que geramos à sociedade capitalista por meio da luta do passe livre deram um saldo importante. Mas trata-se agora de gerar novas contradições e insistir nas que não foram vencidas ainda - daí partimos à luta pela tarifa zero, para ampliar a discussão que iniciamos. Mais que isso, nossa organização e formas de trabalho não se alteraram: ainda somos um movimento que busca construir desde dentro aquele mundo novo que projetamos, e nossa principal forma de luta ainda é a ação direta. O nosso fim, como já apresentado, ainda é uma vida sem catracas, libertária. Até lá ainda falta um longo caminho. Dado que já o iniciamos e tudo que fizemos, interromper esta caminhada será muito pior que prossegui-la.