pOr: Paulo Cesar Marques da Silva*
escrito em maio de 2007
Seria leviano atribuir a morte trágica de mais dois ciclistas atropelados no acostamento do Lago Norte, na última semana, à política de aumentar os limites de velocidade de algumas vias. Mas a circunstância de que a perda das duas vidas aconteceu exatamente no dia em que as placas de 60km/h foram substituídas pelas de 70 km/h no local nos obriga a refletir seriamente sobre os efeitos desse desatino com que o Detran quer marcar a reedição do programa Paz no Trânsito.
Ainda há alguns dias, em debate numa emissora de televisão, tive a oportunidade de ouvir do representante do Detran que as vias sujeitas a aumentos de velocidade não são escolhidas aleatoriamente, mas sim com base em estudos técnicos. O apresentador do programa então pediu detalhes de tais estudos e todos aprendemos que se trata do monitoramento dos índices de acidentes — vias que apresentam altos índices não são candidatas à dilatação dos limites de velocidade. Convenhamos, é um critério pouco responsável.
É o próprio Detran que nos informa que a primeira edição do Paz no Trânsito e a implantação da fiscalização eletrônica de velocidade fizeram o número de mortes no trânsito cair de 610 em 1996 para 465 em 1997. O número de mortos por 100 mil habitantes caiu de 34 para 22 no mesmo período e está hoje um pouco abaixo de 20. Coincidência ou não, as velocidades médias nas vias do Distrito Federal caíram abruptamente, também nesse período, em cerca de 40% e vêm se mantendo estáveis graças à fiscalização eletrônica. Sem dúvida, são resultados alentadores — mas não podemos nos dar por satisfeitos com esses números. Só para termos uma idéia, a meta da Política Nacional de Trânsito é reduzir a 14 o número de mortos por 100 mil habitantes até 2010. Ou seja, se reduzimos em 40% esse índice num período de 10 anos, temos só mais três anos e meio para reduzi-lo em outros 30%. De onde vem, então, a idéia esdrúxula de aumentar as velocidades?
O argumento que o Detran vem apresentando à população é da redução dos tempos de viagem. É claro que velocidades mais altas reduzem os tempos de viagem. Mas será que nós temos uma noção razoavelmente precisa do que é essa economia? Façamos uma conta simples. A via L4 Sul tem aproximadamente 10km de extensão. Percorrendo-a de ponta a ponta, no limite de velocidade anterior, de 70 km/h, gastávamos 8 minutos e 34 segundos. Com o novo limite, de 80 km/h, gastamos 7 minutos e 30 segundos. Isso mesmo – uma incrível economia de 1 minuto e 4 segundos. Outros exemplos? Nos aproximadamente 3km da EPJK (entre a DF-001 e a Ponte JK), o aumento de 70 km/h para 80 km/h nos proporciona um ganho de 19 segundos; nos 9km do Lago Norte (de 60 km/h para 70 km/h), 1 minuto e 17 segundos. Formidável.
O argumento fica ainda mais frágil quando o Detran diz que o objetivo é aumentar a fluidez nos horários de pico. Ora, nesses horários a velocidade não fica limitada pela regulamentação, mas sim pela concentração de veículos. Em outras palavras, é a alta demanda veicular, levando a operação da via para os limites de saturação, que impõe as restrições de velocidade nesses horários. Isso é tão elementar que a insistência do Detran em usar tal argumento deixa no ar a forte sensação de abuso demagógico da boa-fé da população.
O mais grave de tudo, entretanto, está nas conseqüências do aumento da velocidade sobre a ocorrência e a severidade dos acidentes. O impacto de um choque ou de um atropelamento depende da energia cinética do veículo em movimento, ou seja, varia com o quadrado da velocidade. Portanto um aumento de, por exemplo, 17% na velocidade (de 60 km/h para 70km/h), que significa 14% de redução no tempo de viagem, corresponde a um choque 36% mais grave. Por isso morrem 50% das pessoas atropeladas a 50 km/h, 90% das atropeladas a 70 km/h e praticamente 100% das atropeladas acima de 80 km/h. Além disso, mesmo quando a velocidade alta não é o fator principal de determinado acidente, ela pode impedir que o acidente seja evitado.
*Paulo Cesar Marques da Silva
Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), é doutor em Transportes pela University College London (Inglaterra)
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